O ano novo judaico (5778) e o dia do perdão

As comemorações do ano novo judaico (Rosh Hashaná) que agora se iniciam, culminam com uma das solenidades mais sagradas do judaísmo que é o Yom Kipur, o “dia do perdão”.

No Rosh Hashaná, as famílias se reúnem e se confraternizam desejando um ano bom para todos, independente de seus credos.

Nesse período somos todos confrontados com a realidade e os desígnios da vida, a impessoalidade é substituída pela aproximação, a frieza submerge e dá lugar ao calor humano, a mão é estendida e sempre bem-vinda a todos querem a paz e solidariedade.

Quem é religioso cumpre esta data com todo o rigor exigido, mas muitos, que assim não se consideram, também comparecem as sinagogas com suas famílias, mantendo a tradição. Sendo religioso ou não, tradicionalista ou não, ninguém que tem origem judaica ignora o significado e simbolismo desta comemoração.

O dia do perdão tem uma conotação religiosa toda especial: o julgamento de quem viverá o próximo ano, sendo caracterizado por um dia de sofrimento e expiação. Nessa data única e impar para os judeus de todo o mundo existem aqueles que jejuam por um preceito religioso, e outros que assim o fazem para manter uma tradição secular.

Quando completei 13 anos, a idade da maioridade segundo a tradição judaica (Bar-Mitzvá) sabia que desde então iria assumir uma série de responsabilidades perante a vida. Isso nunca me preocupou porque já aprendera com a tradição da família o que seria assumir esses deveres e obrigações.

Porém, um fato sempre me atemorizou: a necessidade de jejuar no Yom Kipur, o dia do perdão. Lembro-me bem que isso foi muito difícil nos primeiros tempos, mas que as duras penas fui tentando cumprir essa obrigação mantendo assim a tradição de minha família.

Com o decorrer do tempo, porém, já exercendo a minha profissão de médico, percebi que esse temor passou a não ser justificado. Inúmeras vezes tive que atender pacientes graves varando a noite, emendando o dia, sem ter em muitas ocasiões a oportunidade até de tomar água, ou ingerir algum alimento. Não sei se era por falta de necessidade, ou puro esquecimento. Talvez esse jejum fosse determinado por uma vocação e compromisso maior em tentar salvar a vida de algum paciente que corria risco de vida

Esse fato aconteceu e tem acontecido praticamente durante toda a minha carreira profissional, mas mesmo assim, até há poucos anos, vinha o temor e o medo de sofrer com a falta de ingestão de água e alimento no período que se iniciava com o aparecimento da primeira estrela na noite que prenunciava a reza sagrada do Kol Nidré, até o surgimento das estrelas no anoitecer seguinte, o que geralmente durava mais que 26 horas.

Hoje estou perfeitamente consciente de que essa tolerância programada para o jejum é possível e não exige nenhum grande sacrifício. Também estou bem consciente da sensação desagradável do que é sentir sede e fome. No meu caso, porém, esse ato é voluntário, o que não ocorre com enorme população de esfomeados, refugiados e desgraçados nesse mundo, como observamos diariamente nos noticiários e na mídia em geral.

Segundo a tradição e religião judaica, o martírio e a expiação nesse dia de jejum pode propiciar o perdão divino para os pecados que cometemos, e nos redimir dos mesmos.

Acredito que para muitas pessoas esse jejum deveria ter uma duração muito maior, e difícil de dimensionar. O mundo que vivemos atualmente em vez de evoluir parece estar regredindo nos seus princípios e valores, e está sendo caracterizado por guerras, assassinatos, atentados, crimes, destruição, corrupção, enfim, tudo isso que eu já imaginava não mais assistir num mundo que se diz desenvolvido e civilizado.

De qualquer maneira, as solenidades do Rosh Hashaná e o Yom Kipur permitem que esse seja um período de reflexão no qual cada um de nós pode almejar e dar a sua contribuição para um futuro melhor para a humanidade.

Desejo a todos os queridos amigos um Shaná Tová (feliz ano novo) e que todos os povos desse mundo sejam inscritos no livro da vida (Hatima Tová).

Elias Knobel e família