Dia do médico: os meus primeiros 50 anos

O ano de 1967 foi caracterizado por uma série de solenidades e confraternizações que culminaram com a minha formatura pela Escola Paulista de Medicina.

Lembro-me que na noite em que recebi meu diploma, meus pais e todos estavam exultantes e felizes: finalmente a nossa família teria um médico, um fato até então inédito.

(1967: formatura pela Escola Paulista de Medicina)

 

Pessoalmente foi uma vitória e a realização de um sonho. Durante o difícil curso de Medicina, vivenciei momentos de extrema felicidade característicos da vida universitária: torneios, competições, baladas, viagens ao exterior… Mas o que mais me engrandeceu foi o contínuo aprimoramento e aperfeiçoamento da arte de tratar e salvar o próximo, através dos importantes e essenciais ensinamentos proporcionados por professores renomados, numa época em que ser professor de Medicina era uma profissão de destaque e muito honrosa. Pouco a pouco fui acumulando os conhecimentos necessários para exercer a profissão de minha vocação e que sempre sonhei.

(Baile de formatura e formandos: 1967)

 

Um dos maiores aprendizados que tive com os inestimáveis e inesquecíveis mestres foi como considerar e se relacionar com o paciente. Naquele tempo, independente de sua classe social o paciente era sempre abordado de uma forma completa, desde a avaliação de suas queixas até o exame físico quando ele era auscultado, apalpado… enfim, examinado, como deve ser feito com alguém que procura auxílio para sanar a sua doença.

Esse talvez foi o maior ensinamento recebido: abordar o paciente de corpo e alma, de forma humana e considerando que deveria tratar mais os doentes do que as doenças, e sempre de uma forma holística e global. O paciente deveria ser sempre abordado como um todo e não fatiado como uma somatória de órgãos e de especialidades. Dessa forma, me apaixonei pela Clínica Médica – em especial Cardiologia, me dedicando especialmente aos cuidados de pacientes graves.

 

(Mafalda, símbolo da humanização na UTI)

 

Fui um privilegiado: trabalhei em instituições públicas, privadas, simples e complexas, em São Paulo e em outras cidades. Senti na própria pele a angústia e a frustração do que é ter falta de recursos para salvar uma vida. Presenciei e contribuí para a introdução de toda a tecnologia moderna como Ecocardiografia, Cinecoronariografia, Monitorização Hemodinâmica em UTI, Ultrassonografia, Tomografia, Ressonância Magnética, etc. E numa certa fase da vida, aceitei o desafio pioneiro de implantar junto com colegas o conceito de Unidade de Terapia Intensiva no Brasil. Durante mais de 32 anos, fui o diretor do CTI do Hospital Israelita Albert Einstein que alcançou renome internacional.

No início, os anos foram muito difíceis e sacrificantes, porém, altamente compensadores. Não existe nada que supera o prazer de contribuir para salvar a vida de um ser humano. A recompensa é indescritível.

Também foi altamente prazeroso exercer a função de professor de Medicina e transmitir os conhecimentos para formação dos novos profissionais. Inúmeros profissionais altamente conceituados e conhecidos foram meus alunos, mais um privilégio. O mesmo posso dizer em relação à geração de conhecimento que pude exercer proferindo palestras, conferências, nos diversos recantos do Brasil e diversos países de todo o mundo. Dentro deste privilégio de exercer a Medicina como ciência e arte, foi altamente recompensador publicar cerca de 20 livros que se tornaram referência em nosso país.

 

(2017)

Os tempos mudaram e o exercício da Medicina também se transformou. Assistimos nos dias de hoje, com grande angústia, verificar a proliferação de escolas médicas sem a mínima condição de exercer a sua importante função e médicos mal formados, sem o conhecimento necessário para atuar segundo os tradicionais princípios hipocráticos. Também assistimos de uma forma muito triste a falta de condições e de recursos mínimos nos serviços de saúde que existem em nosso país.

Costumo dizer que a medicina atual é caracterizada por 4 “D”:
1) O paciente é Despersonalizado;
2) O médico é Desprofissionalizado;
3) A assistência é Desumanizada;
4) E a prática da medicina está Descaracterizada.

As filas de pessoas em busca de assistência, os corredores de hospitais superlotados e outras situações deprimentes constituem uma afronta à dignidade humana.

Os profissionais mal treinados e com questionável vocação executam seu trabalho sem ter entrosamento direto com o paciente, solicitando inúmeros exames, muitas vezes de custo elevado, sem depois saber o que fazer com os resultados. Ao invés de tratar o paciente, tratam os protocolos de conduta: “As instituições de saúde modernas transformaram-se em empresas que cultuam indicadores, reverenciam protocolos e têm uma adoração pelas planilhas”.

O tempo passou, mas continuamos a seguir fielmente os nossos verdadeiros princípios e valores que recebemos de nossos pais e antepassados.

Exercer a Medicina, ajudando o próximo, salvando vidas, traz um prazer incalculável e sensação de dever cumprido. O tempo passou e nessa fase de maturidade da vida, com experiência e vivências acumuladas:

“Tudo parece igual por dentro, os princípios, as ideias e os pensamentos… Só mudam perante o espelho, as marcas implacáveis do tempo”.

A todos meus familiares, colegas, amigos e, principalmente, aos meus queridos clientes que aceitaram meus conselhos e recomendações, confiando seu bem maior, a sua saúde, o meu eterno reconhecimento.

E nesse momento em que comemoro 50 anos de exercício profissional, tenho a felicidade e o privilégio de poder exercer a Medicina com toda plenitude e espero dessa forma continuar atuando com todo vigor que a vida me permitir.

Saúde e felicidades a todos

Elias Knobel

18 de outubro de 2017

Dia do médico